Olá, meu nome é Xirley, e antes que me venham com piadinhas, não sou a Xirley da música de Zé Cafofinho e Suas Correntes, e nem faço café coado na
calcinha, ok? Vamos adiante, estava começando a faculdade, e como todo bom
estudante, era uma lisa, até para pegar um ônibus precisava de uma ajuda dos
meus pais, mas neste caso do ônibus, quem me ajudava era minha irmã mesmo –
Beijo minha gata! Eu te amo viu? –, ela é quem me patrocinava, doando seus
vales-transportes, e quem diria que seria por conta deles que conheceria meu
marido? Acasos do destino! Vamos a história? Explicado isso, fica mais fácil
entender, na época, as passagens tinham aumentado de preço – pela milésima vez
só naquele semestre –, então, para não perdê-los, decidi ir ao órgão competente
fazer a troca, chamei minha amiga tira-colo e partimos para a sede da Transpal,
entrei na sala, falei com a recepcionista e fiquei esperando minha vez, minha
amiga tinha decidido esperar do lado de fora. Ainda bem que a sala tinha
ar-condicionado, achei uma grande besteira dela ter ficado lá fora, devia estar
fazendo uns 33º, não pude fazer nada, era escolha dela mesmo.
Passei um bom tempo no ócio, o tempo parecia que não passava, lia
revistas, olhava para o teto, olhava os outros estranhos esperando que algum me
chamasse atenção, mas era esforço em vão. E de repente, ele entrou, estava
ainda com a cabecinha voando, percebi realmente sua entrada, porque
desajeitadamente ele soltou a porta e ela bateu com bastante força, causando um
grande estrondo e chamando não só a minha atenção, mas a de todos que lá se
encontravam, ele fez uma carinha tão bonitinha de assustado e envergonhado,
porém, quando ele abriu os olhos, quase me perdi naquele belo par de olhos
claros, disfarcei, comecei a olhar de canto de olho, ele se aproximou e
perguntou se era aqui que trocava os vales-transportes, afirmei positivamente
com a cabeça – Eu sabia que ele sabia a resposta, mas achei que só queria puxar
assunto –, ele foi sentar do outro lado da sala, estrategicamente de frente a
mim – Bobinho não é? –, eu evitava olhar, tentava enganar olhando por cima da
revista, estava meio nervosa, mexia no cabelo a cada 2 segundos, senti um
alívio quando a recepcionista me atendeu, saí da sala, mas sabia que ele era o
próximo, resolvi ficar de fuxico na porta com minha amiga, comentei se ela viu
o gato que tinha passado e coisas do tipo, pouco tempo depois, ele sai, falei
“Conseguiu trocar?”, ele respondeu que sim e seguiu trajetória de ir embora,
nessa hora tive um aperto no coração, estava triste por saber que não o veria
mais... Aí ele parou no 1º degrau e deu a volta, aproximou-se e falou “Eu não
pudia ir embora sem saber o seu nome” – Menino decidido! –, respondi, ele
brincou perguntando se eu conhecia a música “Xirley”, conversamos por um tempo,
trocamos números de telefones, ele falou que esse era do trabalho, mencionei
que o meu era de casa – É amigos, celular não era algo disseminado naquela
época... –, depois, cada um seguiu seu destino, ele me prometeu ligar o mais
breve possível.
O primeiro dia foi moleza, sabia que ele não me ligaria tão assim, de
cara, o segundo, ainda era normal, apesar de um pouco de ansiedade, ainda
achava prematuro ele ligar, no terceiro dia fiquei meio duvidosa, no quarto dia
já estava apreensiva, no quinto dia comecei a ficar preocupada, no sexto já
estava pensando que ele não ligaria, no sétimo já estava puta de raiva, mas
muito preocupada e com grande vontade de ligar pra ele. Comentei com uma amiga
que tinha se passado uma semana e ele não tinha ligado, estava decidida a
ligar, afinal ele tinha me dado o telefone do seu trabalho. Quando finalmente
criei coragem, liguei – Num orelhão da rua, claro! Iria ficar mais tensa se
tivesse feito essa ligação em casa –, uma moça atendeu, pedi para falar com
ele, pouco tempo ele atende ao telefone:
-
Rapaz, cadê a ligação? – seguida de uma risada – Como
você não ligou, e tinha me dado o número do telefone do seu trabalho eu decidi
ligar. Ainda lembra de mim?
-
Oi, lembro sim, mas desculpa, eu liguei sim, só que
você não se encontrava em casa.
Aí a ficha caiu, devia ter sido ele a ligação que minha irmã atendeu e
comentou que o rapaz tinha voz bonita, e eu jurando que tinha sido alguém da
faculdade, mesmo tendo interrogado lá se alguém tinha me ligado. Continuei a
conversa:
-
Vixe, devia ser você então a ligação que minha irmã
atendeu e disse que não tinha deixado recado.
-
Foi eu sim, não sabia se você ainda se lembraria de
mim, então não quis deixar recado, e a propósito, estava decidido te ligar
hoje, só estava esperando sair pra hora do almoço.
-
Ah meu filho! Ia dar azar de novo, estou te ligando de
um orelhão direto da faculdade, então, que bom que eu decidi não esperar mais.
– mais sorrisos dos dois lados da linha.
-
Bem, eu sei que por telefone não é o melhor meio da
gente conversar, até porque estou no trabalho e você está aí, com um medo
terrível das unidades acabarem, o que acha de nos encontrarmos?
-
Por mim tudo bem, qual o melhor dia pra você, já que
trabalha?
-
Prefiro o sábado a tarde, pela manhã tem aquele
sagrado futebol com os amigos...
-
Vamos nos encontrar aonde?
-
O que acha da praia da Jatiúca?
-
Sou meio enrolada com os ônibus, eu só sei chegar no
shopping, a gente pode se encontrar lá...
-
Você sabe que de lá até a praia é meio distante não é?
-
Mas é bom, que a gente já vai conversando.
-
Você quem sabe... Então marcado para sábado?
-
Sim.
A conversa ainda durou por mais um tempo, até que as unidades do cartão
se esgotaram, causando uma crise de histeria por minha parte, mas como já
tínhamos marcado o encontro, agora era só esperar. Os dias que se passaram
foram muito longos, estava ansiosa para encontrá-lo, durante a semana não tinha
outro assunto que falava com minhas amigas, senão esse encontro, elas percebiam
a minha euforia, e temiam que eu saísse decepcionada do encontro, mas eu estava
pouco me lixando, e não me incomodava com as reações delas. Finalmente o grande
dia chegou, como tínhamos combinado, ele ligou para minha casa e disse que eu
já podia pegar o ônibus e ir ao shopping, chegando lá, ele estava no ponto de
ônibus, aparentava estar nervoso, olhava para o relógio, ainda o vi balbuciar
“Que demora!”, desci do ônibus e ele mudou de expressão – Achou que eu o daria
um bolo, provavelmente –, ele ainda falou “Achei que não vinha, demorou hein?”,
falei que o transito só piora a cada dia. Saímos a pé e fomos conversando,
ainda comentei com ele que realmente era muito longe e estava meio arrependida,
devia ter marcado num lugar mais próximo, ele só riu e falou: “Eu te
avisei...”, quando finalmente chegamos à praia, ficamos num quiosque, pediu um
refrigerante, perguntou se queria algo, depois de descansarmos as pernas da
andança, ele sugeriu irmos à praia, já saímos de mãos dadas, quem olhasse,
sabia que já configurávamos um casal, só faltava o momento certo de dar o nosso
primeiro beijo... Eis que ao fundo começa a tocar “A Maçã” de Raul Seixas, ele
me olhou, e no exato momento que o trecho: “Se eu te amo e tu me amas/ E outro
vem quando tu chamas/ Como poderei te condenar/ Infinita tua beleza”, ele me
beijou, e assim iniciou minha história por conta de um simples vale-transporte,
eu nunca amei tanto um aumento de passagem, como naquela época!